Texto “A muleta da vovó”
Ezequiel Theodoro da Silva.
Era uma professora recém formada em magistério do Ensino Médio. Enfrentava a pesada responsabilidade de alfabetizar 34 crianças.
Eu estava sentado lá no fundo da sala. Já tinha pedido a devida autorização para observar a aula. Intuito: sentir mais de perto as práticas pedagógicas na área da alfabetização. Na época, 1977, eu havia sido convidado para organizar uma cartilha, coisa que felizmente nunca foi concretizada.
Sobre a mesa da professora um roteiro de aula, que, de onde eu estava não dava para ver o tamanho nem o formato. Bom saber que nestes tempos ainda há professores que planejam e roteirizam as suas ações, contrapondo-se à famigerada improvisação.
Diz à classe:
- Copiem as duas palavrinhas que vou escrever na lousa.
E escreve uma embaixo da outra, lendo em voz alta:
- Mata borrão, tinteiro.
As crianças, de “esferográfica” em punho, começaram a copiar, sempre lembrando que não deveriam esquecer de cortar o tê.
Ao passeio da professora pelas fileiras, checando as cruzinhas dos tês, vejo-me com um sentimento de espanto e estranheza frente às duas palavras selecionadas para a lição: mata borrão, tinteiro. De que diabo de lugar ela tinha tirado tais palavras?
Arrisco bem baixinho, uma pergunta ao garoto sentado na fileira ao lado:
- Você sabe o que é mata borrão?
- Sei lá. Acho que é bandido. Assassino.
Meu pensamento corre longe no restante da aula. Volto aos meus tempos de escola primária na década de 50. Caneta de pena, tinteiro e mata-borrão. Faziam parte do material que eu levava à escola. Molhávamos a pena no tinteiro que ficava num recipiente que ficava no topo da carteira, escrevíamos no caderno de caligrafia e passávamos o mata-borrão por cima para sugar o excesso da tinta, não borrar a folha.
Bate o sinal e eu corro lá na frente para saciar minha curiosidade.
- De onde você tirou aquelas duas palavras para os alunos copiarem?
- Quais duas?
- Mata-borrão e tinteiro.
- Ah, sim. Deste meu roteiro aqui – uma preciosidade que herdei da minha avó. Ela também foi professora. A melhor da região. Sigo direitinho as suas instruções.
E mostrou-me um caderno meio roto, desgastado pelo tempo e pelo uso, escrito naquelas antigas letras de cartório. Cheirava a cravo de defunto. Bisbilhotei a lição do dia, onde encontrei, na pagina 17, as seguintes instruções: “Na 6ª aula, vós deveis fornecer um exercício de cópia com as palavras ‘mata-borrão’ e ‘tinteiro’.
Nas mãos da professora a muleta da vovó. Na cabeça dos alunos mata-borrão = assassino.
Comentário crítico sobre a Pedagogia Tradicional
O texto “A muleta da vovó”, demonstra de forma predominante à característica da pedagogia Tradicional, onde o conteúdo não é a realidade do aluno, e que predomina a autoridade do professor em sala, a fim de ter um melhor conhecimento das práticas pedagógicas utilizadas em sala, o autor observa a aula e nota a tradicionalidade presente no modo em que a professora transmite o conteúdo aos alunos.
Ao chegar em sala a professora utiliza, como material didático uma caderneta onde se encontra o roteiro das aulas, o bom e velho Plano de Aula, nela estão as instruções de conteúdo, deixada por sua avó que ensinava a seus alunos anos atrás.
A professora escreve na lousa duas palavras: MATA-BORRÃO E TINTEIRO.
E as crianças copiam do quadro as palavras, quando o autor aborda um aluno lhe perguntando se ele saberia qual o significado daquelas palavras ele acha que tem haver com assassino. Nota-se então que estas palavras não fazem parte do conhecimento e principalmente da realidade daquelas crianças, portanto elas não sabem o que estão escrevendo, são apenas receptores da informação repassada pela professora.
Desta forma vale ressaltar que aqui os conteúdos não são discutidos ou questionados, mas sim memorizados a fim de garantir o bom desempenho e sucesso escolar.
Este texto descreve com clareza que ainda hoje existem docentes que utilizam a Pedagogia Tradicional em sala, fazendo com que não haja um aprendizado de forma mais dinâmica, mas sim de forma conteudista e de memorização. O que pode ser prejudicial ao aluno, pois apenas guardar informações que foram meramente memorizadas por certo período, faz com que sejam esquecidas algum tempo depois e isto prejudica o aprendizado, deixando uma deficiência durante todo o processo de ensino.